quinta-feira, 8 de maio de 2008

Zum, zum, zum... capoeira mata um


Recentemente assisti a repetição de um programa evangélico de debates, bastante conhecido. Nessa noite, a grande questão era a aplicabilidade coerente da capoeira nas práticas cotidianas daqueles que se entendem como evangélicos ou cristãos.


De um lado, havia um ministro evangélico utilizando os já conhecidos argumentos preconceituosos (no sentido de conceito pré-estabelecido com pouca propriedade) que sempre utilizam quando querem impedir alguma manifestação artística ainda pouco convencional nas práticas cristãs tradicionais. Seu fadado argumento era que aceitar a capoeira no seio da comunidade cristã era quase o mesmo que aceitar a prática de cultos pagãos a deuses estranhos, posto que a capoeira tem origem nos escravos africanos trazidos ao Brasil colonial.


Naturalmente que esse ministro, em sua colocação, deve ter ignorado algumas nuances da mensagem do apóstolo Paulo, na carta aos Coríntios – especificamente no capítulo 8. Em seu discurso, ele não lembra que o “ídolo nada é no mundo” – conforme disse o apóstolo – e que a prática só se configura como idolatria quando o coração está, de fato, voltado para a idolatria. Ou seja, se pratico capoeira consciente de que aquilo em mim nada é além de uma atividade artística e física, que não tem nenhum fim específico alem da amplitude de vocabulário estético ou mesmo de condicionamento físico – encerrando a prática em si mesma ou em aplicações didáticas e artísticas -, logo essa prática não se constitui idolatria ou paganismo.


Outro aspecto do discurso do ministro está presente em um outro argumento em voga, também explicitado pelo mesmo e compartilhado por muitos cristãos evangélicos em todo o país. Qual seja: por que os evangélicos não “fazem” seu próprio estilo de manifestação artística, mas preferem ficar sempre "imitando" ou adaptando os já existente e "feitos" por não-cristãos? Ora, a resposta é ligeiramente simples: pelo fato de que o homem não cria nada a partir do “nada” desde sempre. Todas as construções humanas são feitas em cima de algo já existente.


Já havia dito Lavoisier* que “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e ele tem alguma razão no que diz. Sim, pois nenhum homem cria qualquer coisa sem uma referência anterior, a tal ponto que mesmo um acidente só acontece se já existir os materiais e a situação necessários para esse evento. Portanto, nunca “inventamos” coisas, sempre “descobrimos” ou melhor, ADAPTAMOS, MESCLAMOS e RESIGNIFICAMOS as coisas já existentes. SÓ Deus cria tudo do nada, posto que Ele mesmo não é uma criação – diferente dos homens e da terra – mas todas as coisas além dEle são criadas e limitadas ao status de CRIATURAS.


Em outras palavras, já que a arte é um instrumento primariamente de louvor a Deus e exista, provavelmente, mesmo antes da existência do homem – com outras configurações, logicamente – logo, todas as práticas de arte no decorrer da história foram criadas a partir do exercício de louvor a Deus, ou seja, qualquer manifestação artística tem origem no culto ao Deus Criador.

Posto isso, volto aos parâmetros do debate.


Do outro lado, havia um grupo de capoeiristas-evangelistas que utilizam a linguagem da capoeira, além da aplicabilidade estética ou física, também com a finalidade de divulgar o Evangelho e estabelecer laços fraternos. Eles aproveitam que possuem talento para essa técnica - aliados à popularidade da própria técnica - para atrair jovens a esse ambiente onde, além da dança, também se faz presente a prática de orações e reflexões visando um discipulado cristão peculiar.

Já está claro que não condeno a prática da capoeira entre os que se entendem como discípulos de Cristo, porém algo no discurso deles me chamou a atenção pelo fato de ser um argumento – não diferente dos preconceitos do ministros – cada vez mais popular entre os artistas cristãos, especialmente os de dança. Repito: as práticas artísticas são tranqüilamente possíveis de aplicabilidades coerentes de cunho cristão. Acabei de discorrer um sucinto histórico artístico demonstrando que toda as manifestações artísticas tem origem no culto e, fundamentalmente, no culto ao Deus Criador. E que todas as práticas de arte decorrentes têm automaticamente sua origem no culto ao Deus Criador.


O problema é que nós artistas cristãos, na ânsia por provar que o que fazemos não fere a fé em Cristo e que pode até auxiliar, acabamos caindo no erro de entender e divulgar a prática de determinada arte como NECESSÁRIA ao exercício “completo” de comunidade cristã que cultua a Deus. Claro que o culto a Deus é necessário, mas a capoeira NÃO.


Se nos entendemos como igreja e deixamos de cultuar conscientemente a Deus, nosso exercício de fé fica desfalcado e passamos a andar de maneira incoerente com as doutrinas apostólicas, porém, se não praticamos a capoeira ou qualquer que seja o estilo da dança, nada necessariamente acontece em relação a essência da prática de culto cristão. Isso se dá pelo fato de que louvor consciente independe de manifestação artística, seja ela dança, poesia ou música. Louvor tem ligação direta com fé e consciência. A arte é um recurso secundário.


É nisso, portanto, que erramos freqüentemente e por esse motivo não saímos do empate argumentativo até hoje. Quando finalmente encaramos que dança NÃO é necessária para o desenvolvimento “completo” e coerente da prática de culto cristão, mas sim um POSSÍVEL aliado nas manifestações específicas de louvor e um excelente instrumento de divulgação do Evangelho da Graça de Cristo – que não precisa, mas também não despreza manifestações artísticas -, aí então, finalmente, andaremos coerentes com a Palavra que professamos viver.



Graça, paz, consciência e sobriedade,

Neemias Santana





*Antoine Lavoisier foi um famoso químico francês, considerado o criador da Química moderna.

4 comentários:

  1. Ainda estou dando pulos de felicidade por ter lido algo escrito com tanta propriedade,de maneira sóbria,equilibrada e o melhor: desprovida das limitações e velhos conceitos e jargões sem a menor explicação plausível ou base bíblica,como estou cansada de ouvir dos cristãos que são de meu convívio.
    Uma pena que os cristãos brasileiros encarem a miscigenação racial/cultural de seu próprio país como uma "Babilônia a ser derrubada", e não como uma "Israel a ser erguida", e vejam toda a riqueza proveniente da mesma como algo a ser combatido e derrotado,e não como instrumento de adoração e louvor ao Senhor da História.
    E é a Ele que rendo o meu louvor,por levantar uma geração de profetas que clamam através da arte de forma lúcida,objetiva,com a mente transformada e renovada pela Palavra,que diz que "Do Senhor é a terra e a sua plenitude; o mundo e aqueles que nele habitam." Sl.24:1.
    Que Deus continue acrescentando a você Nem´s,graça e fé.Um abraço da aluna e leitora.

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  2. Nossa !!!
    Fiquei mudo !!!
    Oq q eu falo agora ???

    Obrigado !!!

    Dou graças a Deus pq eu não sou o único q pensa assim, e agora q saí da caverna, poso ver os outros 7 mil.

    Valeu pelo carinho.

    Abração !!!

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  3. Na verdade eu estava procurando algo que me desse um bom esclarecimento sobre a prática da capoeira no meio evangélico,e fiquei muito feliz pois estou iniciando na igreja o ministério de esporte começando justamente com a dança da capoeira;com a conversão de um professor desta arte aproveitei-o para ensinar aos jovens que estão enveredando pelo caminho dos vícios,dando aos mesmo a oportunidade de conhecer mais do Nosso Deus e ao mesmo tempo ocupando o tempo ocioso deles.Sou grato a Deus por este matéria e que o Bom Deus continue a te abençoar.

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  4. Puxa! Fico feliz em ter contribuído, e torço para que o projeto ganhe força e consistência.

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